“Aqueles que tomam refúgio com sinceridade e mente confiante, liberando
a si mesmos de todos os apegos ilusórios e preocupações com o que é propício e
impropício, nunca devem tomar refúgio nos espíritos ou nos ensinamentos não
budistas.”[1]
Seres não iluminados são a causa kármica da existência dos
reinos samsáricos não iluminados. Seus karmas individuais e coletivos
manifestam estes reinos, mundos e universos
nos quais vivem. Ao contrário disso, seres Iluminados ou Budas, naturalmente e karmicamente manifestam Terras Puras ou reinos Iluminados. Se um assim
chamado “ser supremo” criou um mundo
como o nosso, isto significa que ele não é iluminado, porque se o fosse, este
mundo teria sido perfeito e habitado por seres perfeitamente iluminados. Buda Amida (e qualquer Buda!) não finge ser o criador deste mundo samsárico, apenas
de sua Terra Pura Iluminada, para onde ele prometeu levar todos os seres
samsáricos para a liberação final (Estado de Buda ou Nirvana).
Qualquer pessoa que finja ser o criador e dono deste ou de
qualquer outro mundo samsárico está repleto de arrogância e sede de poder – uma
característica que normalmente é encontrada em deuses e alguns fantasmas
famélicos (seres famintos) que têm relação com reinos humanos. A atitude destes
seres ou deuses é imperialista, ou seja, desejam receber elogios e deferências
da maior quantidade de seres possiveis. Eu já dei anteriormente o exemplo de
Brahma Baka no meu artigo Não há Deus Supremo no Dharma de Buda, em que ele foi iludido por Mara a acreditar ser “Onisciente, Onipotente, o Senhor Deus, o
Criador, o Chefe, o Ordenador, o Todo Poderoso, o Pai de tudo o que foi e será”
e em seguida foi corrigido por Buda Shakyamuni. No entanto, aqueles que possuem
tais tendências imperalistas não pertencem apenas ao reino dos deuses, mas
também ao reino dos fantasmas famélicos (seres famintos). Minha opinião é que a
maioria dos deuses que vivem para além dos reinos humanos estão mais ocupados
curtindo suas vidas longas e cheias de beleza do que com os problemas humanos.
Então acredito que os fantasmas famélicos estão mais conectados conosco e mais
envolvidos no nosso plano de existência.
Como expliquei no meu artigo The Six Realms of Samsaric Existence, há vários tipos de fantasmas famélicos e nem todos eles são fracos ou torturados pela fome e pela sede.
Alguns têm bastante poder devido a méritos e karmas anteriores,
"Os fantasmas famélicos diferem muito uns dos outros;
alguns deles possuem poderes sobrenaturais e gozam de uma glória parecida com a
dos deuses”[2]
(Bodhisattva Vasubandhu)
mas também arrogância e orgulho.
Dentre os os
fantasmas famélicos, a categoria chamada de gyalpos em
tibetano, é a mais poderosa. Gyalpo
significa “rei” ou “real” e indica os vários líderes do plano dos fantasmas
famélicos, então eles são da mesma categoria que Vasubandhu se referiu acima. É
dito que nas suas vidas anteriores eles foram praticantes que acumularam muitos
méritos mas não conseguiram superar arrogância e orgulho ou então morreram com
pensamentos de ódio, vingança, etc.
De modo geral, todos os fantasmas famélicos tendem a tentar
influenciar os outros. Todos estão sedentos por atenção, oferendas, etc, mas os
gyalpos têm mais poder para colocar tudo isso em ação. Eles podem ser mestres
da manipulação[3]; podem disfarçar-se de
várias formas, até tomar a aparência de mestres do passado ou de Budas e
Boddhisattvas e assim gostam de espalhar
vários “ensinamentos”. Há algumas histórias de praticantes budistas
avançados que foram manipulados pelos
gyalpos. Esta categoria de fantasmas famélicos também podem fazer milagres e
oferecer visões para fazer com as pessoas obedeçam e confiem neles.
Na minha opinião, as religiões abraâmicas/monoteístas
(judaísmo, cristianismo e islamismo) foram criadas por estes fantasmas
famélicos com tendencias imperialistas. Todas estas religiões foram fundadas em
torno de visões, milagres e autoritarismo central de figuras “divinas” que
pedem total submissão de seus seguidores. Os ciúmes do “deus” do Velho Testamento é claramente expressa no
primeiro dos dez mandamentos e em outra passagem do mesmo texto. Isto também é
aceito no cristianismo:
"Eu sou o Senhor
teu Deus que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão. Não há nenhum
outro Deus. Não farás para ti imagem de escultura
representando o que quer que seja do que está em cima no céu, ou embaixo na
terra, ou nas águas debaixo da terra; Não te prostrarás diante delas
para render-lhes culto, porque Eu, o
Senhor, teu Deus, sou um Deus zeloso, que
castigo a iniqüidade dos pais nos filhos, até a terceira e a quarta geração
daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima
geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos"
Também no Alcorão há muitas passagens assim, aqui cito
apenas algumas:
“Segue, pois, o que te foi inspirado por teu
Senhor; não há divindade além d’Ele; e distancia-se dos que idolatram outros
deuses”(Alcorão 6:106)
"Os piores pecadores aos olhos de Deus são aqueles que O rejeitam, porque
não crêem." (Alcorão
8:55)
“Mohammad é o Mensageiro de Deus, e aqueles que
estão com ele são severos para com os incrédulos, porém compassivos entre
si" (Alcorão 48:29)
“E de quando o teu Senhor revelou aos anjos: Estou
convosco; firmeza, pois, aos fiéis! Logo infundirei o terror nos corações dos
incrédulos; decapitai-os e decepai-lhes os dedos!.” (Alcorão 8:12)
“Combatei aqueles
que não crêem em Deus e no Dia do
Juízo Final, nem abstêm do que Deus e Seu Mensageiro proibiram, e nem
professam a verdadeira religião daqueles que receberam o Livro (judeus ou
cristãos), até que, submissos, paguem o Jizya.”
(Alcorão 9:29)
Como podemos ver claramente, um “deus” assim claramente
NÃO é Iluminado, mas um ser dominado por ciúmes, frustração e ira, que
compartilha seu dito “amor” apenas
com aqueles
que o amam ou seguem suas instruções, e que pune pela falta
de obediência até a quarta geração. Também, no caso do Alcorão, ele incentiva
seus seguidores a serem combativos com os incrédulos, referindo-se a eles como “pecadores” que devem ser aterrorizados!
Que diferença entre seres raivosos dominados pelo desejo de
atenção e um Buda que tem Compaixão indiscriminada por todos os seres,
independente de aceitar ou não seus ensinamentos. Um Buda não tem necessidade
de atenção e adoração dos outros, ele não se afeta com o amor ou a rejeição,
elogios ou críticas. Tudo o que faz pelos seres surge de sua pura Compaixão e
Sabedoria:
"Os Budas das dez
direções pensam compassivamente sobre os seres sencientes do mesmo modo que uma
mãe pensa em seu filho".[4]
Também, como todos os Budas tentam nos convencer a confiar
em Buda Amida? Claramente não é através do terror ou da força e não ameaçando
destruir até a nossa quarta geração:
"Shakyamuni e
todos os outros Budas
são como nossos pais cheios de compaixão.
são como nossos pais cheios de compaixão.
Com vários meios
compassivos eles nos fazem acordar
Claramente nenhum bem pode vir através da confiança em um
ser mundano, ciumento e vingativo, independente de seus ensinamentos conterem
alguns elementos bons também. Fantasmas famélicos poderosos (e também seus
seguidores) podem ter sua própria evolução espiritual, uns podem ser melhores
do que outros, mas certamente nenhum deles é iluminado e nenhum escapou da
escravidão dos três venenos: ignorância, ganância/apego e aversão. Ao invés
disso, tomar refúgio em Buda nos levará, cedo ou tarde, a Iluminação. Então, é
preciso ser extremamente cauteloso a respeito dos seres que querem a nossa
confiança, já que o efeito é similar a causa. Se tomarmos refúgio nos seres
samsáricos, não importa o quão podersosos sejam, nunca escaparemos do samsara;
se tomarmos refúgio nos Budas e especialmente em Buda Amida, atingiremos o
Estado de Buda.
Namo Amida Butsu
- fragmento de uma
carta para um amigo que queria misturar a fé em Buda Amida com a crença em uma
religião monoteísta pensando que o "deus" destas religiões é igual a
Buda Amida –
[1] Shinran Shonin tirou esta
passagem do Sutra of the Ten Wheels
of Ksitigarbha.
[2] Abhidharmakosabhasyam, traduzido em inglês por Leo M.
Pruden; Berkeley, Calif, Asian Humanities Press, 1991; vol 2
[3] Porém, nem todos os
gyalpos manifestam uma atitude imperialista. Há alguns que se interessam no Dharma , mas são inconstantes,
orgulho e ira são características principais, podem ser facilmente ofendidos e
manipulados pelos Maras
[4] O 'Chapter of
Mahasthamaprapta' do Sutra of the Samadhi
of Heroic Advance.
[5] Shinran Shonin, Hymn of the Two
Gateways of Entrance and Emergence, The
Collected Works of Shinran, Shin
Buddhism Translation Series, Jodo Shinshu Hongwanji-ha, Kyoto, 1997, p.629
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